quanta está de volta. Mais uma vez, na primavera.

Neste segundo número, ela enfoca o Espaço Urbano, em suas múltiplas possibilidades (ou impossibilidades) como revelam os quatro ensaios artísticos apresentados. Edson Machado, por exemplo, desconstrói a cidade, recorrendo à fragmentação de imagens fotográficas. George Lima e Juraci Dórea preferem o desenho. O primeiro para questionar espaços urbanos mal planejados; o segundo para mostrar uma Feira de Santana imaginária. Já Maristela Ribeiro, que também se utiliza da fotografia, desenvolve a idéia de cidade como um jogo, sujeito a mudanças e constantes deslocamentos.

Completa a edição atual o artigo da curadora e crítica de arte gaúcha Gabriela Kremer, intitulado “Espaços públicos – lugares de arte”, em que discute o espaço urbano como um imenso campo para a experiência artística contemporânea.


























E a idéia, uma vez concebida em toda a sua magnitude
não pode mais ser afastada: enquanto existir a criatura humana,
existirá também o desejo de levar a cabo a construção da Torre.

Kafka, O emblema da cidade
































































































































































































































































































































































































































Espaços públicos – lugares da arte
            O espaço urbano, controlado pelo Estado por natureza e público por vocação, vem sendo um campo desafiador para os artistas contemporâneos no que tange a sua ocupação ativa. Ou seja, para além dos tradicionais monumentos de personalidades ou marcos históricos, passando pelas manifestações políticas, artísticas ou não, hoje se pensa o espaço da cidade enquanto plataforma para discussão da própria condição urbana que nos define e do ilimitado da arte.
            Longe de ser um campo de investigação novo para as artes visuais, afinal a origem dessa prática remonta a movimentos como a chamada neo vanguarda dos anos 1960 e boa parte da arte política, tanto a arte como a cidade hoje adquirem outros contornos, postulando novas possibilidades de relação entre esses dois pólos. Aliás, “relação” é o conceito chave para pensarmos as intervenções urbanas contemporâneas.
            A prática artística envolvendo o contexto social, político, físico, cultural, etc. encontra no terreno urbano das cidades uma gama quase infinita de subcamadas de ação. No Brasil, temos exemplos seminais de artistas que agiram e agem em diferentes estratos desse universo. Hélio Oiticica talvez seja o principal deles, com seus parangolés, frutos da relação do artista com o universo do carnaval e que fazem parte do seu programa ambiental desenvolvido na década de 1960. Também de fundamental importância, temos Cildo Meireles e as suas Intervenções em Circuitos Ideológicos, em que o artista interferia com dizeres políticos em cascos retornáveis de refrigerante e os devolvia à circulação. Isso para citar apenas dois nomes dessa geração que problematizaram os limites da arte e do seu espaço de atuação.


Henrique Oliveira   - Tapume


            Hoje temos artistas como Henrique Oliveira, que acaba de realizar em Porto Alegre, dentro da Bienal do Mercosul, a obra Tapume. O trabalho consiste em uma intervenção escultórica em uma casa abandonada do centro da cidade. Construído com compensado flexível, temos a impressão de que, das aberturas do imóvel, “brota” uma massa disforme e orgânica, como se derramando para o exterior da casa. A obra torna visível uma construção que encontrava-se neutralizada pela profusão de edifícios e estabelecimentos comerciais que foram surgindo ao seu redor nas últimas décadas. Renata Lucas é outra brasileira que vem agindo no contexto urbano, porém com uma atuação que muitas vezes desaparece no caos das cidades. A intervenção da artista na penúltima Bienal de São Paulo consistia na duplicação de uma calçada da cidade, com postes e arbustos, aumentando a área de pedestres e causando um estranhamento arquitetônico para os mais atentos.
            Todos esses artistas atuam no tecido urbano, porém cada qual em uma camada diferente desse texto tridimencional que conforma as cidades. Se Hélio vai beber na cultura, temos a política como eixo dialógico na obra em questão de Cildo Meireles. Já Lucas e Oliveira partem da arquitetura e do mobiliário urbano para formatar suas colocações a respeito da relação entre arte e vida. E esses são apenas alguns dos lugares sociais em que os artistas podem atuar nas cidades. Teríamos ainda os aspectos históricos, discursivos, geográficos, e mesmo o entendimento da cidade como suporte. As obras citadas até aqui recusam e se esquivam da distância atribuída entre objetos artísticos e cotidiano, reclamando a relação ativa com o público como condição para uma possível fruição estética.    
            Se essa prática é relativamente comum nos grandes centros, estimulada por eventos específicos do gênero ou mesmo bienais de arte que contam com artistas convidados para este fim, o mesmo não acontece com freqüência nas cidades menores. Assim, atividades como a desenvolvida pelo artista francês Louis Pavageou em parceria com o grupo GEMA no mês de setembro de 2009 em Feira de Santana, dão um passo importante para o entendimento dessa prática, oferecendo aos artistas locais e à comunidade a oportunidade de experienciar a cidade enquanto espaço da arte.


Louis Pavageau & Grupo GEMA - Quem disse que o sul fica embaixo


            É claro que a relação entre intervenção artística no meio urbano e os habitantes das cidades nem sempre se dá de forma clara ou positiva. Algumas vezes, as interferências nem são percebidas como ação artística, outras vezes, são consideradas atos de vandalismo e se confundem com anúncios publicitários ou cartazes de divulgação de shows ou coisa que o valha. É só a partir da noção de gratuidade do gesto dessas manifestações, da percepção de que aquilo que vemos ou presenciamos é algo um tanto deslocado do que estamos acostumados a presenciar no meio urbano, que essas propostas atingem o seu propósito: nos fazer parar e olhar, sentir e pensar o meio em que vivemos.

Gabriela Kremer Motta























Gabriela Kremer Motta – Mestre em História Teoria e Crítica da Arte pela UFRGS. Curadora, crítica e pesquisadora em artes visuais. É gerente artística da Galeria Ecarta, professora de curadoria na Unisinos – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – e membro do grupo de críticos do Centro Cultural São Paulo. Foi curadora assistente do programa Rumos Itaú Artes Visuais 2008/2009. Desde 2005 vem realizando curadorias de exposições em Porto Alegre, Florianópolis e São Paulo. É autora do livro "Entre olhares e leituras: uma abordagem da Bienal do Mercosul", publicado pela editora ZOUK. Tem artigos publicados em revistas como Dasartes, Bravo!, Istoé, Aplauso, Teorema e Tatuí.













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